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A matemática do dinheiro

O Estado de S.Paulo - Guy Perelmuter - 30/11/2017 Já nos acostumamos a lidar com conteúdo digital em um grande número de situações. Enviar e receber cartas era uma forma comum de comunicação entre pessoas há apenas algumas décadas. Os filmes e seriados de TV, antes consumidos através de fitas de vídeo e depois como DVDs ou BluRays já podem ser solicitados sob demanda através de serviços de streaming (no qual o conteúdo é transmitido diretamente para o dispositivo que fez a solicitação). Nossas músicas preferidas não estão mais armazenadas em vastas coleções de CDs, mas sim em arquivos digitais, assim como os livros, que despertam acaloradas discussões entre aqueles que preferem a experiência tradicional de carregar algumas centenas de páginas versus a comodidade de levar uma biblioteca no bolso.


O dinheiro também começou sua migração irreversível para o mundo digital: não é necessário ir ao banco para pagar contas, realizar investimentos ou consultar o extrato - tudo está acessível online, via computadores, smartphones e tablets. O crescimento vertiginoso do uso de cartões de crédito ou débito assim como os pagamentos realizados através de telefones celulares diminuem a manipulação do papel-moeda que ainda insistimos em carregar. De acordo com relatório elaborado pela consultoria francesa Capgemini em parceria com o banco BNP Paribas, estima-se que este ano mais de meio trilhão de dólares em pagamentos serão realizados na modalidade "cashless" (ou seja, sem uso de dinheiro físico). O crescimento para este mercado, ainda segundo o relatório, será de cerca de 11% a.a. no período entre 2015 e 2020. O mais recente estágio da digitalização do dinheiro chegou com a criação das criptomoedas, que não são emitidas por nenhum Banco Central nem são lastreadas em depósitos de ouro. A conveniência associada ao fenômeno da digitalização da comunicação, de filmes, músicas e livros agora avança sobre um dos primeiros e mais antigos símbolos da sociedade civilizada. Mas enviar e receber dinheiro é algo sensível e que exige tecnologias seguras, confiáveis e robustas - características da corrente de blocos - blockchain - que discutimos semana passada. Para exemplificar como o processo funciona, imagine que você deseja transferir cinco bitcoins para alguém (não vamos entrar no mérito do valor desta transferência, que hoje seria de mais de cinquenta mil dólares). Utilizando um aplicativo no seu celular, que contém uma assinatura eletrônica única associada a você e a esta transação específica, basta informar o valor e a conta para transferência. Esta instrução será transmitida para rede, que irá validar que você é de fato o remetente da mensagem (utilizando técnicas de criptografia para confirmar sua identidade) e que você possui saldo suficiente para realizar a operação (consultando a base de dados compartilhada com as informações de saldo de todos os participantes). Após isto, seu saldo será reduzido em cinco bitcoins e o saldo da sua contra-parte será aumentado em cinco bitcoins (assumindo que você tinha originalmente o saldo necessário para realizar a transação). A forma como esta validação ocorre é uma das características mais importantes do blockchain: uma vez que o sistema é completamente descentralizado e distribuído, a responsabilidade fica a cargo de voluntários (chamados de "mantenedores"), que utilizam seus computadores para, de forma autônoma, processar as operações que circulam na rede. Cada vez que uma nova operação é realizada, todos o computadores dos mantenedores recebem esta informação, o que significa que o saldo de todos os participantes do sistema está disponível não apenas em uma base central de dados, mas nas inúmeras cópias espalhadas pelo mundo. Estas cópias precisam estar sincronizadas para evitar discrepâncias - imagine uma situação na qual o saldo de uma pessoa seja igual a dez. Esta pessoa faz um pagamento de oito unidades e, antes da atualização ser feita, faz outro pagamento de quatro unidades. O sistema não pode permitir que isso ocorra para evitar que as pessoas gastem recursos que não possuem. E de fato todas as cópias se mantém íntegras através de um processo semelhante a uma votação: à medida em que as operações são validadas, uma função matemática complexa é re-avaliada (com base no histórico das operações já realizadas) e comparada com os resultados obtidos pelos outros mantenedores. Quando a rede chega a um consenso a respeito da nova operação - aceitando-a apenas caso seja legítima - todos os balanços são sincronizados, evitando fraudes e o uso indevido dos recursos. Estes mecanismos de distribuição e segurança tornam a tecnologia de blockchain extremamente flexível e atraente para ser utilizada em diversas aplicações além das criptomoedas. As áreas afetadas por este novo paradigma são nosso tema para a coluna da semana que vem. Até lá.


fonte: www.estadao.com.br

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