A Índia de Modi tende a superar a China
Valor Econômico - Martin Wolf - 07/02/2018
A Índia é importante atualmente e o será ainda mais no futuro. É uma democracia; sua economia cresce aceleradamente; e o país será em breve o mais populoso do mundo. Os ocidentais devem desejar fervorosamente que a Índia seja um modelo bem-sucedido de desenvolvimento democrático e orientado pelo mercado. Uma pergunta importante, então, é se o governo de Narendra Modi, no cargo desde maio de 2014, fez uma diferença decisiva na trajetória econômica da Índia. Tudo indica que ainda não. Mas as reformas que a gestão lançou podem fazer uma diferença mais perceptível nos próximos anos. Uma mudança decisiva nas políticas econômicas e no desempenho da Índia ocorreu após a crise cambial de 1991. A versão indiana do movimento de "reforma e abertura" da China elevou o crescimento médio de seu Produto Interno Bruto (PIB) per capita para níveis próximos a 5% ao ano entre 1992 e 2017. A média móvel de cinco anos de crescimento do PIB per capita alcançou 7,2% no período até 2007, inclusive, antes de desacelerar para 5,8% no período subsequente concluído em 2017. Essa desaceleração é decepcionante. Mas, se essa taxa tivesse se mantido, o PIB per capita teria dobrado a cada 12 anos. Isso seria transformador - e não apenas para a Índia, uma vez que sua população deverá, segundo previsão da ONU, alcançar 1,6 bilhão de pessoas (17% do total mundial) em 2040. Uma interrogação importante é se a taxa de crescimento da Índia continuará a cair, se se estabilizará ou se voltará a se elevar. Uma preocupação decisiva nesse tópico é a queda marcante da taxa de investimentos, de um pico de 40% do PIB em 2011 para 30% em 2017. Se o índice de investimentos ficar neste último patamar, é pouco provável que o crescimento do PIB se eleve para mais que 8% ao ano, menos ainda para índices ainda maiores, embora não deva cair para níveis inferiores às taxas atuais. Em retrospectiva, a disparada dos índices de investimento do início da década de 2000 eram insustentáveis. Elas deixaram um problema de "duplo balanço" que resultou das dívidas não quitadas em bancos e em muitas empresas. A análise reunida no recém-publicado Levantamento Econômico do país conclui que reverter uma desaceleração dos investimentos associada a balanços tão desgastados é tarefa difícil. A agenda, sugere o levantamento, inclui sanear os balanços pouco saudáveis, o que está sendo feito atualmente. Também é importante alcançar novos avanços no abrandamento dos custos envolvidos na realização de negócios, por meio da "criação de um ambiente fiscal e regulatório claro, transparente e estável". Se um governo que recentemente desmonetizou uma grande parcela do estoque monetário em circulação da noite para o dia tem condições de criar um regime estável desse gênero é coisa que deve ser questionada. As dificuldades crescentes do novo imposto sobre produtos e serviços, em si mesma uma reforma proveitosa, fizeram novos estragos. Modi deu demonstração de sua determinação de implementar reformas estruturais essenciais no discurso pronunciado no mês passado na reunião anual do Fórum Econômico Mundial em Davos. Sua agenda é abrangente e causa muito boa impressão. O Levantamento Econômico argumenta que a desaceleração da economia da Índia em 2016 e no início de 2017 já foi revertida: ela está agora avançando a plena velocidade. Mas, com base no que aconteceu até agora, seria razoável apostar que o crescimento vai se estabilizar em algum ponto entre 7% e 8% ao ano, desde, significativamente, que o ambiente mundial continue favorável. Em resumo, a Índia deve recuperar o título de "a grande economia mundial de crescimento mais acelerado" da China, neste ano. E os desafios de mais longo prazo? Suprimir os obstáculos ao aumento dos investimentos e estimular o aumento da poupança são, ambos, importantes. O Levantamento Econômico também observa, de maneira triunfante, que a Índia saltou 30 classificações e irrompeu entre as 100 maiores pela primeira vez no "Doing Business" do Banco Mundial de 2018. Essa proeza é, de fato, resultado das reformas. Mas a Índia ainda está 22 marcas abaixo da China. Ficou, além disso, em 164º lugar em eficácia na fiscalização do cumprimento dos contratos. Isso reflete a ineficiência do sistema jurídico, enormemente precário em algumas de suas características. A Índia poderia e deveria se sair ainda muito melhor. No cômputo geral, no entanto, o potencial para melhorias institucionais e de política pública neste que continua sendo um país pobre (cujo PIB real per capita corresponde a 12,5% do dos Estados Unidos) deveria criar a confiança de que o crescimento acelerado persistirá. Mas o Levantamento Econômico pergunta, de forma ousada, se pode haver atualmente uma tendência de economias que estão tão atrás das mais ricas do mundo quanto ainda está a da Índia de não conseguir cobrir a diferença. Em especial, chama a atenção para obstáculos que não existiam no passado. Estão entre eles a atual reação adversa à globalização, que poderá desacelerar o crescimento das exportações; a tendência de o crescimento da indústria alcançar seu pico de forma cada vez mais antecipada no processo de desenvolvimento, ou "industrialização prematura"; o desafio de aprimorar os recursos humanos; e o impacto negativo da mudança climática sobre a produtividade agrícola. O desafio decisivo, nesse quesito, é a educação. A Índia continua a não oferecer educação adequada a uma ampla parcela de suas crianças - uma deficiência que vai afetar a qualidade da mão de obra por muitas e muitas décadas. O levantamento também defende enfaticamente a intensificação dos esforços científicos da Índia e o aumento dos gastos com pesquisa e desenvolvimento, principalmente no setor privado. Uma característica estrutural impressionante da Índia, cujo significado transcende em muito a economia, é a preferência social por filhos homens. Isso transparece na forte tendência de continuar a ter filhos até nascer um menino. O estoque indiano de "mulheres desaparecidas" - mulheres que existiriam em uma distribuição normal entre os sexos - é atualmente estimado em 63 milhões. O número de meninas indesejadas - meninas que apenas existem porque os pais na verdade queriam um menino - também é estimado em 21 milhões. E, o que é pior, esses preconceitos não estão desaparecendo com a prosperidade. Embora o tratamento dado às mulheres indianas tenha melhorado sob vários aspectos, a ignara preferência por filhos homens persiste. Tanto as atitudes sociais que a causam quanto seus efeitos têm de mudar. São enormemente prejudiciais. O desenvolvimento econômico é importante. Sozinho, nunca é suficiente.