Thomas Friedman diz, em livro, que os robôs não roubarão todos os empregos se os humanos agirem
‘Empatia é algo que máquinas jamais terão’, afirma o colunista do NYT
Para Thomas L. Friedman, colunista de assuntos globais do “New York Times”, há dez anos o mundo virou uma chave, e ninguém se deu conta. Foi em 2007 que surgiram o iPhone, o Kindle, o Airbnb, o Android, o Watson da IBM e o Hadoop, o mais poderoso dos softwares do chamado Big Data. Foi também naquele ano que Facebook, Twitter e o serviço de nuvem da Amazon explodiram, e que o preço do sequenciamento genético despencou. Em seu sétimo livro, “Obrigado pelo atraso” (Objetiva), o jornalista argumenta que nada disso foi coincidência, e sim a síntese de uma proeza tecnológica que deu à luz uma era inédita de “acelerações”. Em entrevista por telefone, de Washington, Friedman afirma que essa força ao mesmo tempo fascinante e desestabilizadora se manifesta por meio do tripé tecnologia, globalização e mudança climática.
Seu livro se define como um “guia otimista”, mas grande parte dele se dedica a explicar os fenômenos que mais causam ansiedade e desespero hoje. Como continuar otimista?
Em parte, isso se deve à minha disposição natural a achar que, embora os pessimistas geralmente estejam certos, e os otimistas, errados, todas as grandes mudanças da História foram obra de otimistas. Minha frase favorita no livro é do físico Amory Lovins, que, quando perguntado se é otimista ou pessimista, responde: “Nenhum deles, porque ambos são formas diferentes de fatalismo”. Amory acredita no que ele chama de “esperança aplicada”, e eu também. Estou otimista porque tenho visto no meu próprio país pessoas comuns fazendo exatamente isso. A quantidade de pessoas trabalhando para consertar as coisas, em pequena escala, em suas próprias comunidades é uma fonte de inspiração. Se você quiser ser otimista com relação aos EUA hoje, fique de cabeça para baixo, porque o país está muito melhor de baixo para cima do que de cima para baixo.
Como foi o processo de escolher três “acelerações” para representar a mudança na sociedade?
Cheguei a considerar outras. Mas parei e me perguntei: quais são as forças moldando a maior quantidade de coisas, no maior número de lugares, das formas mais variadas e por mais tempo? E me parece que aquelas três são reais, seja no Brasil, em Boston ou em Bangalore.
É por isso que seu livro dá tanta importância a plataformas como Hadoop e GitHub (biblioteca colaborativa de códigos de programação)?
Sim. Essas aplicações se tornaram capazes de mudar quatro tipos de poder. Um deles é o do indivíduo. O que uma pessoa pode fazer sozinha hoje, para o bem ou para o mal, é fenomenal. No meu país temos um presidente que pode estar de pijama na Casa Branca e tuitar diretamente para um bilhão de pessoas, sem recorrer à opinião de um editor ou de um advogado. Mas o que é realmente aterrorizante é que o chefe do Estado Islâmico pode fazer exatamente o mesmo diretamente de Raqqa, na Síria. Também mudou o poder dos fluxos de ideias, que se transmitem, se esfacelam e amadurecem muito mais rapidamente. E tudo isso junto mudou o poder da coletividade. Amplificados por essas máquinas, nós, seres humanos, estamos nos tornando a principal força atuando na natureza. É por isso que a nova era climática foi batizada pensando na gente, o Antropoceno.
Por que seu livro considera 2007 um ano-chave? Por que ninguém se deu conta disso à época?
Uma das coisas que 2007 proporcionou foi a nuvem, que eu chamo de supernova. Ela promoveu uma liberação inédita de energia na mão de pessoas e de máquinas. Acho que não percebemos muito o que aconteceu porque 2008 foi o ano da pior crise econômica desde 1929.
O senhor escreveu que os robôs não roubarão todos os empregos se os seres humanos agirem. Como resistir a essa tendência?
Meu amigo, o autor Dov Seidman, argumenta que, por muitos séculos, o homem trabalhou predominantemente com as mãos. No último século, muitos começaram a trabalhar com a cabeça. E eu acredito que, na era da aceleração, cada vez mais pessoas trabalharão com o “coração”, com a empatia. Fomos das mãos para a cabeça e, daí, para o coração. Isso é algo que as máquinas não têm e, acredito, jamais terão. E acho que mais e mais “trabalhos do coração” vão surgir. Uma das entrevistas mais interessantes no livro é do ex-diretor nacional de Saúde dos EUA, Vivek Murthy. Quando perguntei qual é a doença mais comum nos EUA, em vez de diabetes ou câncer, ele respondeu que era o isolamento. Vivemos na era mais conectada da História, e a doença mais comum é justamente a sensação de estar desconectado. Por isso acho que haverá demanda para aquele tipo de emprego.
O senhor pode dar um exemplo?
No livro, criei o termo stempathy, que une o que chamamos de habilidades STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) com a empatia humana. É o médico que sabe como fazer as perguntas certas ao computador Watson, da IBM, sobre seus pacientes e traduzir as respostas do jeito mais empático possível. Esse é um bom exemplo do que eu acho que serão os melhores e mais bem pagos empregos. Pessoas que dominam a técnica, mas que também têm a habilidade de se conectar com outros seres humanos.
Mas muitos preveem que haverá uma perda de postos de trabalho com o avanço da inteligência artificial.
O que eu respondo a quem me pergunta isso é: é preciso ter humildade. Às vezes leio coisas do tipo: 48,7% de todos os empregos vão desaparecer em 2050. E eu me pergunto: por que não 48,6%, 48,5%? Quem poderia prever há dez anos que uma das cadeias de restaurante de maior crescimento nos EUA em 2017 seria a Paint Nite, que consiste de bares onde adultos se reúnem para pintar com jogos de colorir? (risos) Quem imaginaria que havia um mercado para isso? Então é preciso ter humildade na hora de fazer essas previsões.
Seu livro faz algumas recomendações de políticas públicas para fazer frente a mudanças tão dramáticas. Quais são as mais essenciais?
As principais ideias têm a ver com aumentar a rede de seguridade, o que, nos EUA, significaria, sobretudo, implementar acesso universal à saúde. Eu também aboliria o imposto corporativo, de forma a incentivar a atividade empreendedora. Em contrapartida, iria substituí-lo por impostos sobre a emissão de carbono, a fabricação de munição e de açúcar e sobre pequenas transações financeiras.
Os fenômenos descritos no livro ajudaram a eleger Trump?
Sim. Meu livro é sobre as forças que estão desorientando muitas pessoas. Trump surgiu prometendo parar o furacão, e os eleitores acreditaram. Existem dois tipos de políticos no mundo, os que querem parar o furacão com um muro e os que querem se estabelecer no olho da tempestade, extraindo energia e criando uma plataforma de estabilidade dentro dela. Meu livro é um manifesto em favor desse segundo grupo. Trump não é um deles.