Longa vida, cauda longa?
24 de outubro de 2016
Há exatos 12 anos, a edição de outubro de 2004 da Wired trouxe em suas páginas um artigo que dominaria por um bom tempo as discussões em torno das indústrias da comunicação, do entretenimento, dos bens de consumo e dos varejistas envolvidos na distribuição desses serviços e produtos. Escrito pelo editor-chefe da publicação, Chris Anderson, The Long Tail transformou-se rapidamente em leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada em acompanhar os processos disruptivos consequentes do aumento exponencial da capacidade de armazenamento e da troca de informações propiciado pelo desenvolvimento da economia baseada em plataformas online.
Anderson causou alvoroço ao verificar como conceitos estatísticos consolidados na economia da escassez comportavam-se em certos setores dentro desse novo cenário emergente de abundância de escolhas, que ganhava cada vez mais corpo à medida que a infraestrutura da internet melhorava em qualidade e quantidade de acessos.
Dois anos depois do artigo original, o autor lançou um livro inteiro sobre o tema, que completou agora, em 2016, uma década de sua publicação. Embora seja muito mais baseada em insights gerados a partir de dados de empresas que apostavam tudo nas premissas de manter vasto portfólio de produtos com baixo custo de estoque (ou, como classifica Anderson, eficientes em transformar bits em átomos a custo próximo de zero), sem criar nenhuma nova regra com comprovado valor acadêmico, boa parte da relevância da obra está no fato de ter dissecado, pela primeira vez, tendências em ascensão na época e jargões com os quais passamos a nos deparar diariamente.
Concorde-se ou não com a teoria, uma série de reflexões foi desencadeada após sua publicação.Companhias passaram a examinar onde se encaixavam dentro daquele modelo, qual o impacto e as oportunidades do consumo e da produção em cauda longa para seus negócios e como planejariam estrategicamente seus próximos passos.
Não tardou para que surgissem as primeiras críticas, muitas norteadas pela contradição, aparentemente sem solução, entre a necessidade cada vez maior de ganho de escala das grandes corporações de diferentes setores e a ascensão dos micronegócios pregada por Anderson. Muitas reconheciam a ação do fenômeno detectado pelo editor-chefe da Wired, mas ressaltavam que a mudança acontecia em velocidade muito menor do que a aventada — e que o formato da cauda longa ficava muito próximo de uma linha reta em um trecho não muito distante do topo, um indicativo de que eram pouquíssimas as chances de que os exploradores de nichos os transformassem em negócios que rivalizassem com a indústria dos hits e da comunicação para as massas.
Outras análises julgam não haver uma maior democratização dos negócios bem-sucedidos na cauda longa, mas, sim, apenas uma troca de guarda no topo da cadeia de quem efetivamente detém o poder financeiro, muitas vezes com uma concentração ainda maior do que a vigente na configuração tradicional do mercado.
Embora tais considerações contrárias tenham se provado, ao menos em parte, corretas, hoje muitas das tendências abordadas no livro foram consolidadas e fazem parte do trabalho nosso de cada dia. Assim, as controversas discussões em torno do real potencial da cauda longa amenizaram — o próprio Chris Anderson não se mostrou muito disposto a falar sobre o tema quando questionado a respeito de uma possível entrevista sobre os dez anos do livro. “Olha, não trabalho mais com mídia. Estou no negócio de drones”, justificou.
Nada como o tempo para colocar as coisas em seus devidos lugares. Até aqui, o modelo da cauda longa ainda não se provou eficiente o bastante para reger de maneira dominante os mercados aos quais se refere. Mas já conquistou reconhecimento como uma dinâmica das mais relevantes a atuar sobre esse cenário de disrupção, aumento de concorrência e redução de margens — especialmente em um ambiente social que descobre a força da diversidade.